segunda-feira, 20 de julho de 2015

Não lido bem a com a morte. Ninguém lida bem com a morte.

Talvez fosse mais fácil se acreditasse em alguma coisa que viesse depois, num Céu daqueles da religião ou dos filmes de 5ª categoria, em branco e com nuvens de algodão. Se acreditasse numa reencarnação ou noutro qualquer sistema de compensação ou castigo. Porque é disso que se trata, de uma tentativa de enformar o nosso comportamento, justificar sacrifícios e afastar a tão humanamente intrínseca maldade.

Mas não acredito. Acredito que a morte é o fim. Isso mata-me.

Desde que me lembro de mim, tenho medo de morrer. Tenho medo que morram os meus. O meu mundo, o meu chão.

Ontem morreu a minha avó de empréstimo. Avó do Super Gato. Conhecia-a desde os meus 16 anos. 

Era um mulher à antiga, cheia de garra e força. Numa cena de novela em folhetos, fugiu da janela de casa dos pais para casar por amor, num mundo rural dos anos 30. Tinha pêlo na venta. Era frontal e falava sem medos. A verdadeira matriarca, à volta de quem tudo girava. 

Tanta vida. Agora já não existe. Custa-me a perceber. 

Morreu aos 92 anos, rodeada das suas filhas. Poderia ser pior. Mas há pior do que simplesmente não existir?

Tudo o que rodeia a morte é tão estranho, tão macabro, tão humano. 

A dor lancinante da mais que provável despedida, sair da sala e preocupar-se se o carro tem gasolina para chegar a casa. Receber a notícia que congela e ter de preocupar-se com o jantar. Pensar na cerimónia quando só se quer encolher em posição fetal, mas falar com o cangalheiro calma e educadamente. Ser capaz de dar-lhe bom dia, como está, e rasgar na boca tensa um sorriso. O abandono ao choro seguido da conversa de circunstância nos funerais. E aproveitar para fazer aquela pergunta àquela pessoa que já não se via há tanto tempo e que não se sabe quando se voltará a ver.

A sequência ilógica e desconcertante do metafísico e do trivial.  

Acho que este comportamento, esta capacidade, nos está geneticamente inscrito. Só pode. Ou então seríamos só más pessoas. Será uma questão ancestral de sobrevivência - como são todas -, presumo. Nem a gente ceia nem o pai morre.

A vida continua. E continua mesmo.

E isso, durante uns tempos, ainda me custa mais.

Adeus, Avó. O prazer foi todo meu.


Beijo da Patinha *


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