quarta-feira, 22 de julho de 2015

A máquina do tempo



Imaginei-a vermelha com apontamentos dourados. Parecida à do Júlio Verne, portanto. 

Afinal é uma cópia fiel. Googlei. Parece que o meu dom para desenhar mentalmente máquinas e maquinetas é nulo. É só copy paste.

Sempre sonhei em ter uma só para mim. Que me permitisse viajar na história. Nunca iria ao futuro. Poder mandar um e-mail ao canal de História a explicar como foram construídas as pirâmides dos Maias - não, seus idiotas, não foram os extraterrestres -, constatar que tenho razão sobre a imaculada conceção, desmaiar ao sentir o cheiro nauseabundo da Maria Antonieta e tirar uma selfie - com pau e tudo - com o Marquês de Pombal.

Mas agora já não fantasio com isso. Não. Agora fantasio com uma máquina que fizesse parar o tempo. Até poderia ser igual a uma máquina de café do Continente. Uma máquina que parasse tudo e todos, menos a mim. Que enquanto todos estivessem em modo freeze, eu fizesse todas as 3 milhões, setecentos mil e cinquenta e três e meia coisas que tenho para fazer. 

Penso nisto deleitada tantas vezes.

E depois dou por mim a pensar se a culpa será minha. E é, claro. Mas será porque não sei gerir bem o meu tempo ou porque quero sempre fazer coisas a mais? É que qualquer dia nem durmo, é o que é.

E depois vejo os blogs daquelas pessoas irritantes amorosas com 10 filhos, mas sempre com ar de quem saiu de uma produção da Vogue - nem da Vogue Portugal, da Vogue mesmo -, casas maravilhosas, fotografias perfeitas e que nos vão relatando a corrida matinal ou a ida ao cabeleireiro - com uma foto ou menção discreta à Adidas e à Kerastase - e como acabaram de lançar uma coleção inteira de roupa de folhos sobre folhos.

Não se pode.

Mas um dia também irei conseguir. Vou estar a treinar para a maratona, enquanto faço uma chamada conferência para Tóquio e a CLSM vai no carrinho a fazer cálculos de aritmética. De introdução à aritmética, vá.

É isso ou deixar de perder tempo a fantasiar com a máquina de parar o tempo que faz café.

E deixar de ler blogs. É isso.


Beijo da Patinha *








segunda-feira, 20 de julho de 2015

Não lido bem a com a morte. Ninguém lida bem com a morte.

Talvez fosse mais fácil se acreditasse em alguma coisa que viesse depois, num Céu daqueles da religião ou dos filmes de 5ª categoria, em branco e com nuvens de algodão. Se acreditasse numa reencarnação ou noutro qualquer sistema de compensação ou castigo. Porque é disso que se trata, de uma tentativa de enformar o nosso comportamento, justificar sacrifícios e afastar a tão humanamente intrínseca maldade.

Mas não acredito. Acredito que a morte é o fim. Isso mata-me.

Desde que me lembro de mim, tenho medo de morrer. Tenho medo que morram os meus. O meu mundo, o meu chão.

Ontem morreu a minha avó de empréstimo. Avó do Super Gato. Conhecia-a desde os meus 16 anos. 

Era um mulher à antiga, cheia de garra e força. Numa cena de novela em folhetos, fugiu da janela de casa dos pais para casar por amor, num mundo rural dos anos 30. Tinha pêlo na venta. Era frontal e falava sem medos. A verdadeira matriarca, à volta de quem tudo girava. 

Tanta vida. Agora já não existe. Custa-me a perceber. 

Morreu aos 92 anos, rodeada das suas filhas. Poderia ser pior. Mas há pior do que simplesmente não existir?

Tudo o que rodeia a morte é tão estranho, tão macabro, tão humano. 

A dor lancinante da mais que provável despedida, sair da sala e preocupar-se se o carro tem gasolina para chegar a casa. Receber a notícia que congela e ter de preocupar-se com o jantar. Pensar na cerimónia quando só se quer encolher em posição fetal, mas falar com o cangalheiro calma e educadamente. Ser capaz de dar-lhe bom dia, como está, e rasgar na boca tensa um sorriso. O abandono ao choro seguido da conversa de circunstância nos funerais. E aproveitar para fazer aquela pergunta àquela pessoa que já não se via há tanto tempo e que não se sabe quando se voltará a ver.

A sequência ilógica e desconcertante do metafísico e do trivial.  

Acho que este comportamento, esta capacidade, nos está geneticamente inscrito. Só pode. Ou então seríamos só más pessoas. Será uma questão ancestral de sobrevivência - como são todas -, presumo. Nem a gente ceia nem o pai morre.

A vida continua. E continua mesmo.

E isso, durante uns tempos, ainda me custa mais.

Adeus, Avó. O prazer foi todo meu.


Beijo da Patinha *