Um morango a comer morangos! |
A minha filha gosta de comer. Gosta mesmo muito de comer.
Ainda este fim-de-semana deixou toda uma mesa de amigos nossos boquiabertos com a velocidade a que comia. A quantidade. E o prazer que isso lhe dá.
Uma rodela de kiwi? Duas dentadas. E ainda com ele na boca já está a pedir morangos. E a piscar o olho às cerejas.
Tem a quem saia. A minha família é de comilões.
Lembro-me que, quando éramos miúdos, não era assim tão invulgar almoçarmos duas vezes. Em casa e, se a comida fosse boa, na da avó também.
A minha mãe conta - vezes demais - que, num belo dia eu, com a idade que a CLSM tem agora, desapareci misteriosamente dentro de casa.
Filipa? Nada. Onde estás? Nada.
Deu comigo escondida atrás da porta do quarto, com chocolate até às pestanas, a devorar uma tablete inteira que surripiara da cozinha.
Glup.
Além de gostar de comer, a MC, também à semelhança, tem problemas com o controle no que respeita a comida.
Ela que é atinada em tudo o mais, se lhe tiram comida vira onça. Mesmo.
Muito bem que não é com tudo. Se falarmos de sopa, massa, arroz, peixe carne, legumes, iogurtes e semelhantes, come bem, mas (talvez) não mais que as outras crianças.
Agora se falarmos de bolacha, pão, queijo, fiambre, tudo o que seja fruta e o (muito pouco) açucar que come quando o Rei faz anos, aí a música já é outra.
É o terror.
Há uns dias abrimos a época balnear.
Decidimos tomar um pequeno-almoço tardio no bar de praia, enquanto ela lanchava.
Quando as nossas tostas mistas finalmente chegaram - tiveram de ordenhar a vaca e matar o porco - a CLSM já tinha lanchado.
Um iogurte, 5 morangos médios e duas bolachas Maria.
- Pão. Pão pá Mia Cámo.
- Amor, o senhor ainda nem pousou o pão na mesa.
- Pão. Pão pá Mia Cámo.
- Tu já lanchaste. Agora a mamã e o papá vão comer.
- A Mia Cámo tem fome.
- É impossível teres fome, Maria do Carmo. Comeste o suficiente.
- A Mia Cámo tem muita fominha. A Mia Cámo tem muita fominha.
- A mamã então vai dar-te o último morango que trouxe.
Era o morango das emergências.
Foi-se em três dentadas.
- Queizio pá Mia Cámo.
- A mamã não te vai dar queijo porque tu já lanchaste, meu amor. Este é da mamã.
- Fiambi. Muito fiambi pá bebé.
- Nem fiambre muito menos.
Conquista pelo charme. Sorriso maroto, cabeça inclinada:
- Pãozio pá bebé. Na boca. Aqui na boca, mamã.
- A mamã não te vai dar porque já comeste o suficiente.
Conquista pelo cansaço. Olhar esgazeado:
- Pão pá Mia Cámo.
- Pão pá Mia Cámo.
- Pão pá Mia Cámo.
- Pão pá Mia Cámo.
- Pão pá Mia Cámo.
Já engolíamos as tostas para acabar com o martírio. Estive mesmo prestes a deitar o pão fora. Mas não deitei. Não fosse ela filha de quem é.
- Pão pá Mia Cámo.
- Pão pá Mia Cámo. Agoia.
- Pão na boca da Mia Cámo.
- Pão pá Mia Cámo.
Em desespero já olhava para o Super Gato sem saber o que fazer. E de repente vi o copo plástico com tampa que tinha servido para levar os morangos.
Ela entretém-se imenso com aquilo, a tentar abrir. Nunca conseguiu.
Dei-lhe, cheia de esperança.
Funcionou. Ela esqueceu-se.
Durante um minuto, só se ouvia o som do mar e o tagarelar das pessoas.
Praia.
O SG e eu olhávamo-nos. Incrédulos e aliviados.
Ela conseguiu abrir a tampa.
Mostrou-me o copo. Toda feliz e orgulhosa.
- Põe aqui dento, mamã!
- O quê, amor?
- Pão pá Mia Cámo.
Beijo da Patinha *
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